O jogo do destino
Há muito tempo, em algum lugar, uma Deusa do destino entediada, um menino decidiu amaldiçoar. O Destino que a tudo prende com suas linhas invisíveis, tecendo o tapete da vida de cada ser, desceu à terra, adentrando a floresta onde um garoto brincava.
— Que belo menino! — A deusa exclamou. — Já sei! irei lhe lançar um feitiço, apenas por diversão!
Sombras envolveram o rapaz que recuou amedrontado, ele tentou fugir delas, adentrando ainda mais a floresta, correndo com seus pés descalços, ele se perdeu.
A Deusa do destino voltou ao seu lugar, sentou-se observando satisfeita o maravilhoso espetáculo que assistia de camarote lá do alto, um espetáculo chamado vida.
Um ser da floresta o menino encontrou, o ser se assemelhava com um humano, apesar de não ser um, os dois se tornaram amigos, e juntos passaram a viver na floresta, porém, a floresta sombria não era o seu lugar, e triste, o garoto para sua aldeia teve que voltar.
De cabelos e longas asas negras, um corpo pálido e olhos sombrios, quem o viu o descreveu assim. Passando pela aldeia, espalhando medo no ar sem intenção, algumas pessoas o olhavam torto, e se mantinham afastadas, outras, se aproximavam por sentirem prazer em importunar-lo.
— Seu monstro! — Um dos meninos do vilarejo gritou enquanto o jogava no chão. — Você não é humano como nós!
O garoto se levantou, e os ignorou, havia abraçado suas sombras, e já não se importava mais com o que as pessoas diziam, ele apenas seguia em frente. Porém, às vezes ao se lembrar das palavras maldosas, seu coração doía.
Passando pelo Porto, seguindo caminho em direção à Floresta onde todas as tardes ia se encontrar com seu amigo, um contador de histórias chamou sua atenção, o senhor estava sentado rodeado de crianças e contava uma antiga lenda sobre o mar.
— Há muito tempo, neste mesmo Porto, uma jovem esperava por um amor que nunca voltaria, todos os dias ao por do sol ela sentava-se bem aqui onde estou, e permitia que suas lágrimas se misturassem com a água salgada. Um dia, um ser do mar com pena da jovem, transformou as lágrimas que misturavam-se com o mar em mágicas, e assim, uma história nasceu no grande oceano. Há uma lenda, que se você escrever um desejo do seu coração em um papel, engarrafa-lo e ao mar joga-lo, as águas mágicas deste porto farão com que ele se realize.
O garoto que de longe ouvia tudo bem atento, se aproximou do grupo curioso e perguntou:
— O que aconteceu com a Jovem que aqui esperava?
Todos viraram-se em direção ao som da voz, e ao verem quem pronunciou a pergunta seus rostos assumiram uma expressão de desgosto, porém o contador de histórias, olhou o garoto com olhos gentis e lhe sorriu.
— Não se sabe ao certo, alguns dizem que virou um ser do mar, ela descansa lá no fundo esperando por um desejo para realizar, outros dizem que adoeceu e morreu de tristeza, e que seu fantasma pode ser visto à noite esperando seu amado voltar.
O garoto agradeceu e voltou a seguir seu caminho em direção às floresta, onde seu amigo o esperava animado. Ele, estranhando tanta animação, perguntou o que o amigo tinha.
— Tenho uma boa notícia a lhe dar, nós seres da floresta nos reunimos em votação e concordamos que você é digno de se tornar um de nós, porém não decida agora, no dia do eclipse nos dê sua resposta.
O garoto ficou feliz com a notícia, e já sabia que sua resposta seria sim, porém o destino que tudo assistia não se agradou muito com o rumo que a história estava levando, então o mudou, jogando dados como se a vida fosse um jogo, ela continuou tecer seu tapete de forma entediante e sem fim, tudo ocorrendo de acordo com os desejos da Deusa, e assim é construído o destino.
Voltando para casa tarde da noite pelo mesmo caminho que veio, o garoto viu uma figura curiosa no porto. Uma menina de cabelos negros e com o olhar perdido no mar. O rapaz pensou em se aproximar, mas conteve sua vontade, todos no vilarejo o odiavam, e a garota ali provavelmente também.
Um novo dia amanhece, o garoto sai indo em direção a floresta quando vê alguns corvos sendo expulsos, e inconscientemente ele pensa alto.
— Porque corvos são tão odiados?
— Porque são amaldiçoados e trazem a morte, assim como você! — Um garoto de um grupo que estava ali perto respondeu.
As crianças ao redor riram, porém entre as risadas maldosas uma voz doce se sobressaiu:
— Por causa do eu que não podem ver.— O rapaz olhou em direção a voz e percebeu uma garota se aproximando, a garota do Porto. — O corvo é realmente amaldiçoado?
Ela continuou falando, para o grupo que começava a recuar.
— O ato de não ver essa discriminação, nunca mais façam isso novamente!
O garoto e a garota rapidamente ficaram amigos, eles caminhavam sempre juntos pelo vilarejo, brincavam no lago da floresta e liam livros juntos sob a sombra das copas das árvores. A menina não se importava com as asas negras do rapaz, ela gostava de como ele era e não o achava um monstro, apesar do menino insistir que era.
O tempo passou depressa, o garoto acabou se apaixonando pela garota, mas, o eclipse se aproximava, logo ele viraria um ser da floresta e ambos nunca mais se veriam.
Enquanto a jovem ressonava tranquila ao seu lado, ele a cobriu com sua manta a protegendo do frio e caminhou pelo vilarejo pensativo, quando se deu conta, notou que estava no porto, e lembrando-se da lenda, pegou um papel e um lápis e desejou do fundo do coração que ele e sua amada pudessem ficar juntos na floresta, longe das pessoas da vila. Ele colocou seu desejo em uma garrafa e atirou na água, e em silêncio ele esperou respostas vindas do mar.
O dia do eclipse finalmente chegou, ele adentrou a floresta nervoso sendo recebido por seu amigo que estava animado, seu amigo estranhando o comportamento do rapaz, pergunta o motivo de seu desconforto , e o garoto explicou que nada havia contado à sua amada.
Enquanto a história se desenrolava, o destino mais uma vez resolveu interferir, felicidade e tristeza? Meras escolhas decididas, o dado cai girando, qual será o próximo número a cair?
A deusa desce à terra, pegando a jovem amada do rapaz pela mão, e guiando a para a floresta sombria, seres mascarados rodeavam o rapaz, a lua de sangue brilhava sobre eles enquanto o jovem colocava sua máscara, uma máscara de corvo.
O destino surgiu em meio às criaturas da floresta, segurando a garota pela mão. O rapaz em um misto de surpresa e insegurança não soube o que dizer.
— Se você pudesse ver o monstro que este rapaz é, eu me pergunto que tipo de expressão você faria. — A deusa disse, e mais uma vez sombras envolveram o rapaz e prenderam os seres da floresta impedindo-os de ajudar o rapaz.
Porém, desta vez as sombras se curvaram a vontade do rapaz, e seu amigo e os seres da floresta foram soltos, uma aura sombria começava a se espalhar pelo local, e a Deusa sorria vendo a garota se afastar das sombras assustada.
A escuridão o afastou da pessoa que amava, as sombras o envolveram de tal forma que o cegaram, e ele não podendo ver que ela ainda estava ali, se amaldiçoou.
— Ah, este é certamente o meu castigo, apesar de tudo, eu esqueci o que sou e me apaixonei. Eu estaria melhor morto, ela estaria melhor?
Porém ele consegue ouvir a voz da pessoa amada.
— Não, não estaria, pois se o fizesse eu não poderia cumprir a promessa que faço agora. — Enquanto ela falava as sombras se afastavam permitindo que o mesmo a visse. — Eu prometo estar sempre ao seu lado, mesmo que a morte chegue e nossos corpos virem pó.
A garota sorri se aproximando e o envolve com seus braços o abraçando.
— Porque? Eu sou um monstro.
— Porque eu te amo, e por este motivo o monstro que diz que é não existe para mim. Mesmo que sejamos diferentes, para mim, você é perfeito do jeito que é. — Ela diz sorrindo, e com isto sela um beijo nos lábios de seu amado.
A Deusa do destino que a tudo assistia pouco a pouco racha e se desfaz como uma boneca de porcelana quebrada, e a floresta sombria, já não era mais tão sombria assim.
O rapaz se tornou um ser da floresta, a menina continuou humana, mas o amor dos dois persistiu, eles casaram-se e viveram juntos na floresta com o amigo do rapaz e os outros seres, e por muito tempo, sem a interferência do destino, todos foram felizes.
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